Neanderthais não canibais
Fósseis de neandertais na Itália sugerem que talvez eles não fossem canibais
Arqueólogos trabalhando em uma caverna perto de Roma encontraram os restos mineralizados de nove neandertais, no que está sendo visto como uma “descoberta extraordinária”. Um número significativo desses ossos mostra sinais claros de corrosão, levando a equipe a acreditar que os neandertais estavam sendo caçados por hienas ou comidos por elas depois de serem encontrados já mortos.
Os restos mortais desses neandertais — sete homens, uma mulher e um menino — foram encontrados na caverna Guattari, perto da cidade costeira de San Felice Circeo, de acordo com um comunicado do Ministério da Cultura italiano. Os fósseis incluíam uma calota craniana, fragmentos de crânio, uma mandíbula quebrada, dois dentes, três fêmures parciais e outros restos.
Não parece que esses indivíduos viveram na mesma época. Oito dos espécimes foram datados entre 50 mil e 68 mil anos atrás, enquanto o espécime mais antigo foi datado entre 90 mil e 100 mil anos atrás. Os neandertais, que compartilham um ancestral comum com os humanos modernos (Homo sapiens), foram extintos há cerca de 40 mil anos, embora seu legado continue vivo em nosso DNA.
No comunicado, o ministro da Cultura italiano, Dario Franceschini, descreveu o achado como uma “descoberta extraordinária da qual o mundo inteiro estará falando”. Katerina Harvati, uma paleoantropóloga da Universidade Eberhard Karls de Tübingen que não estava envolvida nas escavações, disse que “é muito sensacional”, em um e-mail para o Gizmodo.
A vista do interior da caverna, com o que parece ser um conjunto de ossos deixados por hienas. Imagem: Ministero dei Beni Culturali
Em 1939, nesta mesma caverna, foram encontrados restos mortais de três neandertais — incluindo o impressionante crânio de Guattari 1 — mas nenhuma outra descoberta de neandertais havia sido feita até agora. As novas escavações, que começaram em outubro de 2019, incluíram uma seção da caverna nunca explorada antes. Mario Rolfo, membro da equipe e professor de arqueologia na Universidade Tor Vergata, na Itália, disse que a caverna desabou há cerca de 60 mil anos, “preservando assim os restos deixados lá dentro por dezenas de milhares de anos”, disse ele ao The Guardian.
Além dos restos mortais de Neandertal, a equipe, que incluía arqueólogos da Superintendência Arqueológica de Latina, descobriu os restos de rinocerontes, veados gigantes, um cavalo selvagem, bovinos extintos conhecidos como auroques e, principalmente, hienas.
De fato, e conforme observado no comunicado do ministério, como muitos dos ossos recuperados mostraram “sinais claros de roedura”, a equipe acredita que a caverna serviu como um covil para as hienas, que viviam na área há cerca de 50 mil anos. Os animais “arrastaram” suas presas para a cova, usando a caverna como “abrigo para comida e armazenamento”, segundo o comunicado. Em declarações ao Guardian, Rolfo disse que as hienas caçavam os neandertais, “especialmente os mais vulneráveis, como doentes ou idosos”.
Isso pode ser verdade, mas os pesquisadores realmente não sabem. Sim, as hienas são conhecidas por caçar em matilhas, mas também são necrófagas proficientes. Consequentemente, é concebível que as hienas tenham encontrado os neandertais mortos — sendo que eles poderiam ter morrido por uma série de razões — e arrastado seus corpos para dentro da caverna.
Um fragmento de crânio e outros fósseis encontrados na caverna. Imagem: Ministero dei Beni Culturali
É importante ressaltar que este é outro exemplo de “ciência por comunicado à imprensa”, já que um artigo científico formal sobre essa descoberta ainda não foi publicado. Eu perguntei a Harvati sobre isso, e ela disse que alguns “ministérios da cultura têm precedente ao anunciar resultados para a imprensa, e parece que este pode ser um desses casos”. De qualquer forma, a “conclusão de que os restos mortais foram acumulados por hienas é razoável”, disse ela, já que os ossos de neandertais foram encontrados junto com os de animais e considerando as “modificações que parecem ter sofrido”, como explicou Harvati, acrescentando que “seria bom ver as análises e resultados na íntegra, [e] esperançosamente eles serão publicados em breve.”
Os restos mortais na caverna de Guattari podem mudar a noção de que esta população particular de neandertais participava de rituais de canibalismo, como sugerido por uma análise anterior dos achados mais antigos. Os arqueólogos não acreditam mais que seja esse o caso, mas a nova descoberta é mais uma evidência de que as hienas, e não os rituais de canibalismo, foram responsáveis pelos danos vistos nesses ossos.
“Este local e o famoso crânio Guattari 1, descoberto na década de 1930, foram os que deram origem às teorias influentes sobre o canibalismo e o comportamento simbólico entre os neandertais”, explicou Harvati. “Essas ideias iniciais foram baseadas na interpretação errônea das evidências e posteriormente rejeitadas, mas por alguma razão nenhum trabalho adicional parece ter sido feito no local. Mas é daí que vem a discussão sobre o canibalismo”.
É importante ressaltar que as evidências de rituais de canibalismo entre os neandertais existem em outros lugares, incluindo a Bélgica.
Este trabalho está em andamento e a descoberta provavelmente produzirá uma série de artigos científicos formais. Uma análise genética pendente pode lançar alguma luz sobre a natureza desse grupo específico (por exemplo, tamanho da população geral, predisposição a doenças genéticas, etc.), enquanto uma análise odontológica pode revelar insights sobre dieta e saúde geral.
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